No mês em que temos o Dia da Conscientização Mundial do Autismo, Roberto Lima, cap do Centro de Música e Xadrez, nos envia um artigo que revela a importância da música na melhoria da qualidade de vida de autistas.

“O autismo é um universo que atrai a atenção de pais, pesquisadores, cientistas e a sociedade a fim de compreender um grupo de indivíduos com funcionamento radicalmente diferente. Muitas vezes inaptos a formar uma frase ou olhar nos olhos, possuem uma intensa vida psíquica que simplesmente não é comunicada.
Sabemos que o TEA (Transtorno do Espectro Autista), foi descrito pela primeira vez por Leo Kanner em 1943, e se caracteriza classicamente por indivíduos com uma interação social empobrecida, sendo muitas vezes aversos ao contato humano, pouca ou nenhuma forma de comunicação sobretudo verbal, tem a aparência de estarem “ausentes”, e apresentam constantemente estereotipias (“manias”).
O TEA é um fenômeno mundial, estima-se que só no Brasil hajam duas milhões de pessoas com essa condição. Envolve fatores genéticos, ambientais, comportamentais, alimentares, imunológicos e virais, porém sua causa ainda é desconhecida.
O tratamento e cuidado da pessoa autista envolve acompanhamento em fonoaudiologia, psicologia, psicomotricidade, neurologia, entre outros. Porém, nesse artigo, gostaria de descrever uma área moderna e de alto impacto para o autismo: a música.

In Musicis, Veritas

A música segundo a neurocientista Aniruddh Patel não é apenas uma adaptação biológica, ela é uma “tecnologia transformativa”, uma atividade de alto impacto na forma como concebemos o mundo.
Atualmente sabemos que a música é uma rara atividade que ativa praticamente todo o cérebro, e que é capaz de modificar sua anatomia e mesmo sua fisiologia.
Por se processar a partir de um “discurso abstrato” capaz de comunicar emoções num plano puro prescindindo de palavras, podemos dizer que a música fala “diretamente a alma”.

Música e a Interação Social e Emocional no TEA

Logo ao final do primeiro ano de vida desenvolvemos a atenção compartilhada ( assim como o apontar e o direcionamento visual) que é olhar para alguém a fim de realizar algo em conjunto. Os autistas não desenvolvem essa capacidade, o seu “cérebro social” é hipoativo.
É comum percebermos os autistas “ausentes” e imersos em seus “rituais” (estereotipias) ou a objetos determinados, e é onde a música eloquentemente “convida” o autista a interagir.
A música ajuda a fortalecer as conexões entre a região frontal e a temporal no cérebro, que apresenta anormalidade nos autistas. Na música a imitação e a sincronização ativam os importantes neurônios-espelho, essenciais para a cognição social.
A música melhora inclusive a memória espacial e a facilidade em manipular mentalmente objetos tridimensionais pois trabalha o raciocínio no espaço-tempo, segundo Hetland (2000). Uma das maiores dificuldades do autismo é em fazer representações, eles são substancialmente “literais”, e segundo um processo importante da cognição social, a “teoria da mente” ( capacidade de atribuir intenções a outra pessoa) que normalmente é desenvolvida aos 4 anos e que o autista não possui, pode ser estimulada com a criatividade musical.
Por mais diferente que seja uma pessoa com TEA, eles sentem segundo pesquisas as mesmas emoções que pessoas normais diante de uma obra musical, sendo a música comumente uma paixão para os autistas, o que é uma via para a empatia e a autoexpressão, essenciais para a socialização e saúde emocional.

Música e a Linguagem no TEA

A primeira conexão do autista com a música se dá pelo fato de que a música desenvolve a comunicação não-verbal, pois autistas tem menos neurônios no córtex central relativo a verbalização e mais nos lobos temporais relativo a padrões sonoros. Para um autista é muito mais fácil perceber a alegria ou a tristeza numa sinfonia do que numa palavra ou expressão facial.
Segundo uma pesquisa recente o autista pode não detectar informações verbais na fala, mas é capaz de identificar muito bem a “prosódia” do discurso, bem como todos parâmetros musicais como a afinação, o timbre e o ritmo, alguns até melhor do que pessoas normais com experiência musical.
A música pode desenvolver a comunicação a partir do nível em que a pessoa se encontra, muitas vezes o primeiro contato do profissional com conhecimento ou o musicoterapeuta e a pessoa com TEA se dá partir do instrumento musical, a fonte de “diálogo”.
É comum após o início do trabalho musical a pessoa autista conseguir falar as suas primeiras palavras ou melhorar sua articulação. Nós casos mais severos o código simbólico envolvido na leitura musical ajuda o autista a interagir com outros sistemas simbólicos.
Embora linguagem seja comprometida no autista, as capacidades musicais são intactas, e sabemos que a área da linguagem e a área da música se sobrepõe no cérebro, havendo portanto a possibilidade de trabalhar a área comprometida com música.

Música e as Estereotipias no TEA

O padrão rítmico, o pulso musical dá a pessoa com TEA uma paz que deve ser indescritível, uma paz que muitas vezes ela não encontra. Uma sensação de regularidade essencial para o equilíbrio da mente autista, que para se livrar da ansiedade tem que se refugiar constantemente nas estereotipias.
É tamanha a interação da pessoa autista com a música que pesquisas recentes cogitam se a música não seria uma habilidade específica da pessoa autista.
É importante ampliar os horizontes da pessoa com TEA para que possa aumentar seus interesses e reduzir suas manias e fixações.
Pesquisas recentes também demonstram que a música estimula o processamento emocional, a sensação do tempo, a memória, atenção compartilhada, a imitação, reciprocidade, diminui ou extingue as estereotipias, e favorece a auto-expressão.

Conclusão
A música pela sua abrangência e estimulação de múltiplas habilidades trabalha as grandes dificuldades do autista discutidas neste artigo, a cognição social e o emocional, a linguagem, e as estereotipias.
É um grande desafio o desenvolvimento do autista e ainda um mistério para a ciência seus múltiplos aspectos. Desafio é também buscar cada vez mais formas de realizar inclusão. Atualmente temos como exemplo autistas com alto funcionamento que são contratados por empresas privadas pela sua facilidade com padrões abstratos.
A música é a grande veia de expressão e desenvolvimento das pessoas portadoras dessa condição especial, singular, e humana que é o autismo”.

Roberto Lima
Centro de Música e Xadrez
@centrodemusicaexadrez